MÃE-GALINHA



2007-04-11

Maleitas

Passada a barreira dos trinta e cinco, eu, que vendia saúde, ressaco gravidezes, pós-partos, colos e, se calhar, algumas negligências. Doem-me os pés e dizem-me também que tenho um menisco feito num oito. Da artrose do tornozelo já ninguém me livra, nem mesmo a fisioterapia de todos os dias que me tem ocupado parte das manhãs. Ainda me pus a discutir com a médica, que me queria tratar ao fim da tarde e confesso que cheguei a magicar mil maneiras de lá ir e atrelar as miúdas, ou deixá-las mais umas horas sem mim. Depois ocorreu-me, numa fracção de segundo, que são elas que me fazem feliz, que me fazem sorrir e rir e me fazem, sobretudo, sentir-me eu.

(Esta manhã a Inês perguntava - mas mãe, tu gostas do teu trabalho? e eu balbuciei e - hum...hum... maisoumenos querida mas olha, vamos para a escola que já é tarde e ela - mas se não gostas podes sempre trabalhar numa loja, ou num café, não é mãe?)

São elas que me dão sentido à vida e portanto, que se dane o meu corpo ou o meu trabalho e curem-me as maleitas nas horas do expediente ou então não as curem, quero lá saber, quero-as é a elas e o que me custou hoje a Carmo agarrada a mim a chorar na escola - mãe! só outro beijinho... - bem sei que a fita tinha ares de remorsos dela, que não se portou por aí além nem ontem, nem hoje, nem sequer se tem portado bem. Mas é crescida , a miúda, e remói as culpas depois dos ralhetes. Digo-lhe sempre, sempre - a mãe gosta sempre de ti. Mas ficas feia, quando te portas mal, e eu quero-te sempre linda.

O queixo da Maria ficou quase perfeito. De frente, como ela nos gosta de olhar, olhos nos olhos, nem se dá por nada.



Consta que tirar os pontos foi um terramoto e gostava que hoje tivesse visto a coragem da irmã do meio perante a certeza duma agulha enfiada no braço à conta dumas análises. Chorou, claro, mas enfrentou o facto que sabia consumado. A Maria, bem a conheço, tenta todas as artimanhas para invalidar acções sabidas certas e futuras e também adia as obrigações. Nisso, a Inês é claramente diferente.

Das maleitas, falta ainda queixar-me do desassossego mas não sei se agora consigo. É que faltam-me palavras e estou em ir procurá-las. Mais ainda assim, lúcida. Nos momentos de desassossego maior até sou capaz de verbalizar a coisa. Mas agora aqui, frenta-a-frente com o espaço a preencher... Digamos apenas que aquilo que fazia de mim uma lutadora feroz se esvai nos desencantos.

Elas encantam-me, isso sim, importa. E há entre nós o que mais prezo - o respeito.

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