MÃE-GALINHA



2007-03-05

A(r)riscar talentos

Só pisou o risco ontem à noite e fê-lo por causa do sono.
Ontem dormitámos quase até ao meio-dia, eu e Carmo. Trocámos as voltas às horas (quase) fixas das refeições e nem houve sesta, apesar das minhas tentativas.
Perguntou mais de cem vezes pelo pai e pelas irmãs e quis saber:
- E nós não vamos a Lisboa porquê?
Menti-lhe tanto, pobre miúda:
- Porque as manas vão ver um espectáculo muito feio, com muitos monstros!
- Não vão nada!!!!!!!! Estás-me a mentir!
(Eu detesto que me chamem mentirosa porque eu não sei mentir e noutro dia a Inês até levou um tabefe por me ter chamado "grande mentirosa").
Por muito que lhe explicasse que o pai foi com as irmãs e com a Francisca e que nós não fomos porque não me estava a apetecer ir e preferi ficar cá contigo e assim eles foram de comboio que é mais barato porque as miúdas só pagam meio bilhete e aproveito para descansar e além disso tenho umas coisas a tratar com a mãe da Francisca e ela até cá vem jantar, já viste, que bom?
Dormiu pouco, no Sábado à tarde, e acordou baralhada com a ausência das irmãs e do pai. Contei-lhe a tal história do espectáculo e dos monstros e depois pediu-me para fazer pinturas. "Dei-lhe" a mesa da cozinha e fiquei por ali a arrumar armários e gavetas, coisa que já não fazia há meses. Depois pediu a plasticina e isto seriam umas cinco da tarde. Abri a porta e fui ao pátio fumar o cigarro número três do dia e ela veio atrás de mim, mansinha, cordeirinha.
- Ó mãe! Fazemos um piquenique, fazemos?
Estendi uma manta em cima da relva enquanto ela arrastava a caixa dos brinquedos.
E bolas de sabão.
E eu sentada a tricotar.

Depois lanchámos já dentro de casa, que lá fora refrescou, e vimos um filme com a lareira acesa.
À noite apareceu a Anabela para jantar e ficámos à conversa até de madrugada. À Carmo, deitei-a às dez da noite sem antes lhe perguntar:
- Queres dormir com a mãe?
Ela esticou-se toda, fez-se crescida, olhou para a Anabela, olhou para mim e disse:
- Não! Eu já sou grande e vou dormir na minha cama.
No outro dia foi a tal sorna que se viu. Dei conta de que terá chegado à minha cama por volta das oito da manhã mas aninhou-se em mim. Mais tarde descobri o quarto dela virada do avesso. Tão querida, brincou toda a manhã sem me chamar e de vez em quando vinha enfiar-se dentro da minha cama de casaco e pantufas e eu, meia a dormir, pensava
- Tão responsável, a minha menina!
Era como se eu estivesse a ser mãe duma filha que não era minha, passei o fim de semana a matutrar nisto. Se calhar fazem-lhe (-nos) falta mais dias assim, sem a confusão duma casa sempre cheia, do barulho, do
"não vás para aí que a Maria está a estudar" ou
"não chateies a Inês"

Depois passámos um Domingo quase perfeito com tricots e cafés e lanches com amigas. Ao fim do dia via-se que estava exausta e fez uma birra. Uma birra em vinte e quatro horas!
Gosto de as ter de vez em quando como filhas únicas. Elas é que não sabem viver assim e afligem-se com as ausências umas das outras. Até eu me aflijo mas desta vez não tive tempo de ter saudades das mais velhas que chegaram tarde e numa excitação comovente. Elas também não se devem ter lembrado muito de mim. Hoje voltarão a chamar-lhes nomes na escola e a duvidar destes privilégios de tantos autógrafos e beijos famosos. Uns tios maravilhosos, que bamboleiam as miúdas em bastidores e plateias, e um pai com paciência para programas destes, fazem das minhas filhas as miúdas mais felizes do mundo.

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