MÃE-GALINHA



2006-12-18

Hidratar

A minha Maria não sabe ver as horas mas faz contas de dividir com não-sei-quantos-números. A mim parece-me que a culpa é do microondas, que tem um relógio digital fluorescente. Sinto-a escada acima e escada abaixo, abre a porta da cozinha e grita para as irmãs (cá em casa grita-se muito):
- são vinte e uma e vinte e dois! Mudem para a três que já deve estar a dar!
Tem um flik-flak, já é o segundo, que o primeiro levou sumiço mas nem assim. Destoam-lhe nos livros e no caderno os "m´s " de mal no meio dos certos, e os "m´s" de mal só estão ao pé dos relógios redondinhos com ponteiros. A miúda não sabe ver as horas mas nunca se atrasa.
Estã tão gira que me apetece mordê-la mas ela não deixa
- Ai mãe, larga-me. Que lésbica.

Não há grandes tabus naquela cabeça - que sim, que sabe o que é, e que é normal mas que não acha bem que queiram ter filhos. Porquê? - pergunto - porque é sempre preciso um pai porque há coisas que só os pais é que sabem fazer. E se fossem dois homens? - Era a mesma coisa, também não achava bem porque há coisas que só as mães é que sabem. Por exemplo? - Combinar as roupas!

A minha Maria tem as barrigas das pernas mais musculadas da cidade. Noutro dia vi-a numa aula aberta de ballet e comovi-me.
Crescida. Oito anos de gente e às vezes nem parece uma menina. Outras vezes parece uma miúda aparvalhada. Tudo normal, portanto.
Muito cúmplice, tal e qual como sempre sonhei. Qualquer dia vestimos a mesma roupa, agora que já partilhamos o creme hidratante.
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© Rita Quintela
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