MÃE-GALINHA



2006-07-07

Saltos-altos

Quando fez beicinho e choramingou
Mas eu num quero namorar com o marido

pus-me a pensar com que idade é que se dá o salto do conceito abstracto para a consciência real (se calhar há nomes técnicos para estas coisas mas eu não os sei, por isso chamo-lhes assim). O que sei é que o que ontem me passou pela cabeça, naquela fracção de segundo em que ela soluçou, é difícil de descrever.

Há, nos miúdos pequenos (supunhamos que pelo menos até aos dois anos e meio), a não percepção do que é realmente ser mãe e ser filho e ser pai e ser marido e ser avó e por aí fora. Eu sou a Mãe-rita, assim tudo junto. Quando lhe perguntam
- Como é que se chama a mãe?
Ela responde
- Mãe-rita
ou, se a pergunta varia
- Pai-joão
- Avó-são
- Avó-ana
e por aí fora.

Ela é o centro e nós os satélites.
Nunca gostou que lhe tirassem a propriedade das pessoas, mais do que das coisas, e não entende que a tia dela é minha irmã. Choraminga, quando a provoco
- Mas a tia Gui é minha mana!
ou
- O Pai não é só teu!

Ontem, tão bem dispostas, ela e eu a comermos pêssegos:
- O meu marido é o António!!
- Quem é o António?
- É o meu marido.
(não conhecemos nenhum António)
- E tu sabes quem é o meu marido? - e acrescentei - é o pai!
- Num é!!! O pai é meu! É meu namorado!
- Oh! Não é nada... O pai João é o teu pai. E as filhas não podem namorar com os pais.
- É meu Pai-joão-namorado! E eu também quero um marido e, beicinho,
Não quero namorar com o marido!
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