MÃE-GALINHA



2004-09-15

CORTAR O CORDÃO, OU A ANGÚSTIA DO REGRESSO AO TRABALHO

Há uns dias recebi um angustiado mail da mãe da Maria.
Falta muito pouco tempo para a Ana regressar ao trabalho e não vai estar sempre por perto da sua mais que tudo. A pequena Maria também não vai ter sempre a mãe à mão de semear. É uma fase muito dura. É capaz de ser mesmo das mais duras fases da maternidade. Os bebés não se querem longe das mães nem as mães se querem longe dos seus filhos. É asism. Está escrito na ordem natural das coisas naturais.
Mas é inevitável que a separação aconteça. Claro que se puder adiar-se este corte, pelo menos até aos 3 anos, melhor. No meu caso, não foi possível. Ao fim de 4 meses (3 meses e meio no caso da Maria), tive que regressar ao trabalho. Claro que se puder ser um familiar a ficar com o bébé, do mal o menos. Mas quando a opção, ou a necessidade, passa por deixá-los, tão pequeninos, numa creche, é de derreter o coração. A Maria e a Carminho passaram por essa experiência. A Inês teve mais sorte e foi contemplada com uma baby-sitter em casa, sorte aproveitada pela Maria que, na altura com 14 meses, regressou aos mimos do lar (aliás, regressou logo aos 5 meses, mal se soube que ía ter uma mana). Ou seja, passei por três experiências diferentes:

- A Maria tinha 3 meses e meio. Há 6 anos era assim. Na altura, vivíamos em Lisboa e ela ficou numa creche de uma quase-tia do pai João e que custava os olhos da cara. Passei lá muitas horas com ela antes do meu primeiro dia de trabalho. Certifiquei-me que as funcionárias compreendiam todos os sinais da bébé. Transmiti, ao mais ínfimo pormenor, todos os seus hábitos. Por sorte, a creche ficava a meio caminho entre a nossa casa e o meu trabalho e era tudo muito pertinho. O pertinho eram 5 minutos a pé. Sempre que me apetecia ía ter com ela à hora de almoço. Na maior parte das vezes estava a dormir, por isso acabava por ficar na conversa com as funcionárias da creche e tornei-me íntima de uma delas. Achava que a Maria estava bem entregue e que era mimada q.b. até porque, sendo a creche de uma quase-tia, estava tudo em boas mãos. É óbvio que logo nas primeiras semanas apanhou não sei quantas coisas, desde bronquiolites a gastroenterites. Mas isso é absolutamente natural. Apesar da confiança que a escola me inspirava, saía do trabalho a correr e só respirava quando pegava nela ao colo. Foram 2 meses de muita, muita ansiedade. Ao fim desses dois meses, descobri que estava grávida. A creche era caríssima e a multiplicar por dois iria ser insustentável. Comecei a construir uma ideia: adorava a F., aspirante a educadora de infância e muito protectora da Maria lá na creche. Contei-lhe a novidade e propus-lhe - o seu contrato termina no fim deste mês, não é? Não quer ir trabalhar lá para casa? Não tem que fazer mais nada a não ser tomar conta da Maria. E daqui a uns meses, da Maria e de outro bébé. Ela nem pestanejou. E a partir desse dia, eu passei a ser uma mãe muito menos anisosa.

- A Inês: Uma das primeiras pessoas a pegar na Inês ao colo foi a F., que não desgrudou da maternidade. Foi amor à primeira vista. A pequenina habituou-se tanto a ela como a mim. Conviveram juntas desde o primeiro dia. Tive a mais bela licença de maternidade. Em casa, com a Maria com 14 meses e a Inês recém-nascida e a F., que mesmo não sendo obrigação dela, não me deixava fazer nada em casa. Às vezes ficava lá à noite, eu deixava leite meu num biberão e saía para jantar ou ir ao cinema com o pai João. Quando a Inês tinha 7 meses, surgiu a hipótese de virmos para Aveiro. Só me ocorria - E a F.? Como é que vai ser? Ela não vai para tão longe, de certeza! E não veio. Era longe de mais para um coração tão apegado à mãe e irmãs, ao namorado, agora marido, e à cidade que a viu nascer. Mesmo assim, foi incansável Fez a mudança connosco e, no período de habuituação ao novo infantário, que as miúdas teriam inevitavelmente que frequentar, esteve cá em Aveiro e acompanhou-me todos os dias. Aliás, fez questão de ser ela a transmitir às funcionárias todos os segredos das suas meninas. E eu chorava que nem uma Madalena cada vez que pensava nas saudades que todos iríamos ter.
(A adaptação ao infantário, da Maria com 2 anos, e da Inês, com 8 meses, foi particularmente difícil).

- A Carminho foi para o mesmo infantário onde estavam as irmãs. Tinha 5 meses e uma semana. Apesar de eu ter regressado ao trabalho ao fim dos 120 dias de licença, a minha mãe ofereceu-se para ficar com ela durante um mês e meio. A minha mãe tem 59 anos e é reformada. Mas tem inúmeras coisas para fazer. Jamais me passaria pela cabeça que ela abdicasse da sua vida para ficar com um bébé a tempo inteiro. Quanto à creche, com apenas uma semana, a Carminho começou a ir todos os dias comigo levar as manas. Conhecia as vozes e os espaços, os cheiros e as cores. Talvez por isso tenha feito uma adaptação tão extraordinária. Convenhamos que a minha ansiedade estava no seu limite inferior - conheço aquela casa como as palmas das minhas mãos, conheço todas as pessoas pelo nome, eu própria frequentei, há 32 anos, aquela instituição. Sou tratada como uma raínha.
A adaptação fez-se em dois ou três dias. Não estranhou nada. Não mudou de hábitos, não recusou colos, mas ficou muitas vezes doente. Valeu-me, mais uma vez, a minha mãe.
Vivo esta bébé muito mais calmamente do que vivi as irmãs. Parece-me normal. Já quase nada suscita dúvidas num terceiro filho.

Querida Ana, vais ter que aprender a viver a separação. Se souberes que a Maria está bem, tu estarás menos mal. A quem ficar com ela, faz todas as perguntas que te vierem á cabeça, deixa todos os recados que te apetecer, mesmo os que te pareçam mais tontos, telefona as vezes que precisares (eu chego a ligar 2 e 3 vezes por dias só para saber se está tudo bem), deixa todos os teus contactos.
Aproveita o facto da Maria estar bem entregue para te dedicares ao trabalho e a todas as outras coisas das quais sabiamente abdicaste durante estes meses. E aproveita ao máximo todo o tempo em que estiveres com a Maria.
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© Rita Quintela
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