MÃE-GALINHA



2007-06-06

Na segunda-feira deitei-me cedo.

De facto, deitei-me antes do sol se pôr, antes de jantar e antes das miúdas jantarem.
Mas cozinhei o esparguete e aqueci o frango e a sopa.
Na segunda feira senti-me tão mal que achei que nunca mais seria a mesma. Afinal, milagre dum comprimido, eis-me aqui de novo no ramerame do costume.
Eu não sei ser sem ser assim e é isso que me assusta na velhice. Gosto de rugas e de cabelos grisalhos e até me imagino a curtir uma reforma que não sei se terei a viajar pelo mundo. Mas e se, lá, não for eu? Se eu for outra pessoa, diferente da que sou agora?

Na segunda-feira eu era outra pessoa. Não me reconhecia nem ninguém me reconheceu. Nem a minha mãe nem o meu marido nem as minhas filhas me reconheceram e, perante uma desconhecida, todos se comportaram como sempre se comportam perante os desconhecidos - pézinhos de lã, conversas a meia-voz, com licenças e obrigados. E eu a sentir-me num coma, a ouvi-los a todos lá longe, muito longe, enquanto dormia e o meu corpo se habituava de novo a funcionar com tem que ser. Sem vertigens nem tremores nem frios desmesurados.

O meu cérebro, já se saberá, não funciona a cem por cento e, se calhar para me permitir outras faculdades, não produz por si só uma determinada substância. Assim sendo, há que dar-lhe ordens de produção. (Logo ao meu cérebro, meu, de mim, que gosto tão menos de ordens do que de pedidos). Todos os dias engulo um comprimido, logo de manhã, para que a tal substância seja produzida. Acontece que nem no Domingo nem na Segunda-feira engoli o comprimido e, às seis da tarde desse dia, quando mo enfiaram pela boca abaixo, já eu estava para lá de consciente. Ao mesmo tempo, acalmei-me à força e aquele cocktail mergulhou-me numa tal dormência que vinte e quatro horas depois eu ainda ressacava.

Era por isso que a página estava em branco.

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