MÃE-GALINHA



2007-06-20

Bichos-da-seda

Reconheci os detalhes tarde demais. Mais cedo tivesse sido e talvez a viagem tivesse seguido por outros caminhos. Eu queria ver tudo e não via quase nada e queria dizer tudo e dizia tão pouco e até queria pensar em tudo.
Não sei se foi a idade ou tempo ou a cidade. Ou elas, as miúdas que me saíram das entranhas e que me fazem amar para lá do amor e ver para lá do que é visível a olho mumba*. Nunca saberás o que isso é se não parires. Ou os azares da vida, tive tão grandes e não quis chorar tudo, estúpida, eu. A cada sobrevivência fecharam-se-me os horizontes (ou ter-se-ão aberto?) e concentrei-me nos detalhes. Nas perfeições. Nas imperfeições. Em mim é tudo ou nada. Nunca me dói ligeiramente a cabeça nem tenho mais do que um tipo de amigos. Ou gosto ou não gosto e não gosto de meios termos. Só bebo café em chavenas escaldadas; o morno enjoa-me.

Acima era o prelúdio.

Não fossem as partes de endométrio ensanguetado e achar-me-ia grávida de tão diferente me sinto. Até o corpo, que a mente é que o comanda, e isso sei melhor agora. Estranho que nem os ossos me doam apesar de tamanha chuva. Será finalmente o equilbrio que chegou à custa duma bofetada? Se for, agradeço para sempre não à virgem mas tão simplesmente às almas caridosas que fizeram o favor de me calar a razão. Aborreci-me, é um facto. Estrubuchei por todo o lado e auto-flagelei-me por não conseguir filtrar a suspensão. Um dia acordei com o sol a entrar pelas frinchas da janela e senti que tinha sido inundada e que toda aquela luz que me chegava (e que tinha chegado sempre sem eu ter dado por ela) era fluída. Solta.

Foram só mulheres, várias, e isso não me espanta. E lá se reuniram sem se verem e eu, sem advogado e sem saber de mim, nem sim nem não, só os olhos muito abertos e as mãos fechadas com muita força para evitar a catadupa de lágrimas. Eu era a acusada, a que tinha a mania de ser mais do que os outros e que imaginava que sem mim o mundo não giraria e que se achava dona do conhecimento.

Tantas verdades para quem me conhecia tão pouco.
Afinal sou transparente.

* nome que se dá às mulheres sem filhos, nalgumas zonas da África do Sul

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