MÃE-GALINHA



2007-02-05

Oito

Quando me disse, olhos nos olhos
- Então eliminamos este, o número sete,
eu passei-me e comecei a transpirar e a praguejar.
- Este? - e apontei o papel - O do café a seguir ao jantar? Está a brincar comigo?
- Então… temos que começar por algum lado e no seu caso, o melhor é começar pelo mais difícil.

Não sei onde estava com a cabeça quando me inscrevi numa consulta antitabágica. Quer dizer, sei. Fi-lo mais por ele do que por mim. E por elas, claro. Quero viver muitos anos e viver muito saudável. E quero o meu homem comigo e sem catarro.
Fui ao centro de saúde e inscrevi-nos.

No dia anterior à consulta, quase me arrependi e, de cigarro na mão e fumo no ar, disse:
- Se se põe lá com merdas de terapias de grupo e correntes positivas e tal, saio logo porta fora de cigarro em punho.
Notava-se logo ali a minha motivação.

Fomos.
- Sim, a consulta é individual - disse a menina da recepção.
- E não podemos entrar juntos? - eu, com medo que me faltassem as forças e a querer segurar-me à força do meu homem.
- Acho que sim
Entrámos juntos e o médico decidiu que eu falava primeiro. Pesaram-me, mediram-me alturas e tensões arteriais, esventraram-me os segredos quase todos e ainda a consulta ia no princípio e já eu estava a dar o tempo por bem entregue. Eu e o meu homem, a trocar confidências com dois médicos atentos e atenciosos.

Lá chegou a altura de falar sobre o que ali me trouxe e eu não menti, tinha prometido:
- Nem sei bem, que eu gosto tanto de fumar
- E quantos cigarros fuma por dia?
- Nove. Um às nove e um quarto da manhã,, outro às onze, outro a seguir ao almoço – e por aí fora
O médico de olhos arregalados. Olhava para mim, olhava para os meus segredos gatafunhados por ele em letras e desenhos, olhava para o João, olhava a outra médica.
- Faz-lhe o teste da motivação – disse
- Zero, doutor. Esta senhora tem motivação nula.
E eu:
- Isso eu sei, não é preciso nenhum teste.
O médico esfrega a barba e olha o meu homem nos olhos:
- A Rita é maníaca… maníaca no sentido médico do termo. Sabe disso, não sabe?
O meu homem riu-se e olhou para mim. Eu sorri. Não me espantei com a conclusão médica.
O médico acrescentou uma série de características positivas das pessoas que assim são - a capacidade de raciocínio, a inteligência, a organização. Passou os defeitos. Já chegava o depreciativo da palavra “maníaca”.
Falou-me depois da luta a travar contra as rotinas mas eu não ouvi bem essa parte porque àquela hora exacta eu devia estar a beber um café e a saborear um pastel de nata para a seguir fumar o sexto cigarro do dia.

- Ora bem – continuou o médico e agora eu ouvi - a parte mais difícil já está feita e foi feita por si. De vinte para nove é obra.
Agora a dificuldade é mais minha, que tenho que lhe entrar nas rotinas e quebrá-las.
- Mas eu não quero…
- Fazemos um esforço.

E começa-me a falar de chás e rituais do chá e sabores do chá e coisas complicadíssimas para fazer chá, como se eu tivesse o tempo todo do mundo para estar às meias horas a fazer chá. Ainda por cima queria que eu fizesse isso em vez de tomar um café e fumar um cigarro a seguir ao jantar, enquanto o meu homem, soube depois, podia ali ficar na mesa da mesma cozinha onde seria suposto eu preparar o tal chá, a fumar e a beber café.
Mas prometi, mais ao mim do que ao médico, que iria conseguir.

Ando um bocado doida com isto. Acordo de manhã a pensar que a seguir ao jantar não fumo aquele cigarro. Mas estou a ser capaz. Não faço cházinhos nem escaldo chaveninhas nem nada. Acabo de jantar e mimo-me. Tenho tomado uns banhos do além e usado todos os cremes que há na casa de banho. Estico quinze minutos em quarenta e depois ainda me sobra uma data de tempo até nova ordem de soltura. Dão-me dez dias para me habituar a isto. A injustiça é que ao meu homem deram um mês e meio para decidir quantos cigarros fuma por dia.

Volto lá daqui a oito dias e consome-me a curiosidade do que se segue. Pedir-me-ão que faça abdominais a meio da manhã?

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