MÃE-GALINHA



2006-11-15

Em jeito de comentário

Vivo no limbo da in(decisão) acerca de deixá-las ultrapassar o limite da razão ou parar aquilo, fisicamente. Sim, com uma palmada saída sem aviso.

A Carmo é um tempo instável, como o de hoje. Tanto pode ser uma brisa como uma tempestade. Na tempestade, esperneia, grita, descontrola-se e a promessa
"olha que levas uma palmada" já não resulta; antes atiça.
Nos meus dias bons, dou a volta à coisa com outras promessas, de gomas e pintarolas. Deixo-a ser grande e, se não quer tomar banho, proponho-lhe que tome banho sozinha. Se não quer comer a sopa, proponho que coma primeiro o resto. Se não quer o pijama, proponho que decida com o que quer dormir.
Mas isso é nos meus dias bons, nos dias bons das irmãs, nos dias bons do pai. E nem sempre os dias são bons e isso não quer dizer que sejam maus. São menso bons, é isso. Basta uma de três atrapalhada com um tpc de última hora, ou uma de três com tosse, ou uma de três a chamar-me porque não sabe das cuecas cor-de-rosa que combinam com as meias da minnie, ou eu, que sou de três, com uma dor, de alma ou de cabeça. Basta um detalhe para um dia ser menos bom.

Nas tempestades da Carmo, às vezes, sai-me a mão disparada e a palmada é tão certeira que a seguir vem o abraço e
- Somos amigas, mãe?
- Claro, princesa. Mas estas tuas birras não são nada lindas, pois não?
E transforma-se numa filha angélica, obediente, charmosa, enquanto se lembrar daquele repente em que lhe amainei a tempestade.

Com a Inês nunca tive disto. Nunca tenho disto. Aliás, acho que até gostava de ter uma birra de vez em quando. Uma birra que me lembrasse o lado físico desta filha. Zango-me às vezes com ela. Zango-me muito injustamente porque me zango por não a entender.

A Maria tem dias e há dias em que lhe sinto as hormonas aos saltos e ainda só tem oito anos. Às vezes bate com as portas, amua, bate o pé. Fecha-se no quarto e eu nem pio. Quando me vem com falinhas mansas respondo-lhe com duas pedra na mão. Depois abraçamo-nos e fazemos as pazes. E ela pede:
- Faz-me chicorita!
E eu dou-lhe turrinhas no pescoço, nas bochechas, na nuca e sussurro:
- chicórita... chicórita (*)
Levou muitas palmadas, a Maria.

Bater não é solução, diz-me tão alto a minha consciência.
Ficar maluca e deixa-las abusar também não é. Diz-me tão alto, o meu bom senso.
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© Rita Quintela
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