MÃE-GALINHA



2006-07-19

Rela(mpa)tório

Em dois dias, ou melhor, em dois "depois de jantar", consegui pôr o jardim mais ou menos apresentável. A relva está cortada e há flores nos canteiros.
Ontem, missão cumprida, senti o peso do ar e supus que choveria. Reguei à mesma, não fosse a minha intuição enganar-me. Às onze da noite o céu abriu-se e deixou passar a chuva e o ar fresco. Trovejou muito.

Eu tenho medo da trovoada.

A maior parte dos meus medos mais irracionais, herdei-os. De tanto ver o meu avô enfiar-se debaixo de não-sei-quantos-cobertores de cada vez que trovejava, hoje encolho-me toda quando ouço um trovão. Tenho outros medos que herdei assim. Tenho medo de facas e a culpa é da São que um dia se cortou tanto num dedo que ficou com um enorme bife pendurado. A minha mãe é tão paranóica com viagens de carro que já me conseguiu atormentar com imagens macabras do meu carro a ir pelos ares porque "pode sempre haver um tipo que te apreça na A1 em contramão..." (sim, isso. e também pode agora aqui, enquanto escrevo, cair-me um bocado do tecto falso em cima da cabeça). Qualquer dia tenho medo de andar de carro.
Eu tento, muito, racionalizar as coisas mas às vezes não consigo. Os meus maiores medos são irracionais e a única coisa que me faz ignorá-los (já deixei de lutar contra eles) são as minhas miúdas.
Ontem, a cada trovão, eu continuava impávida e serena a tricotar. Só a Maria é que ainda estava acordada e veio-me avisar que ía fechar as janelas para não entrar nenhum raio por ali a dentro, que ainda nos incendiava a casa.
- Fazes bem. Depois vai-te deitar, que já é tarde.
- Mas eu tenho medo...
- Ah! Não tenhas.À trovoada não faz mal nenhum. E se precisares de alguma coisa, eu estou aqui.

Falei-lhe sem tremer a voz mas tremia por dentro e suavam-me as mãos.
Depois choveu muito.
O nome e os conteúdos deste blogue estão protegidos por direitos de autor
© Rita Quintela
IBSN 7-435-23517-5