MÃE-GALINHA



2006-02-20

Pequeno-almoço, pequena-noite e grande-desconsolo

Nunca o vi. Nem nunca o ouvi chegar. Já lhe ouvi a voz e já lhe li os recados. Houve um que me faz corar: "A senhora esqueceu-se de pagar o pão do mês passado", escrito numa letra bonita e cuidada. Não sei a que horas vem mas sei que se chama João. Seis dias por semana traz pão para esta gente toda e deixa-o ficar num saco catita, que fica pendurado à porta. Ainda há sacos-do-pão. Aqui tem que haver.

Esta noite esteve um temporal dos diabos e às quatro da manhã já não cabia mais ninguém na nossa cama. Eu saí e aninhei-me na Inês que chorava tanto com medo dos trovões. Eu também tenho medo.

Levantei-me cedo, quase sem ter acordado porque quase não tinha dormido. Acordo sempre com fome e tomo banho a pensar no pão quente. Hoje basatava-me o desconsolo da noite roubada, não era preciso o saco não estar lá. Encontrámo-lo mais tarde, a caminho da escola, ensopado da chuva e arrastado pelo vento. Vou lavá-lo e pô-lo a secar; agora já está sol.
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© Rita Quintela
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