MÃE-GALINHA



2004-12-14

DO PAI-NATAL À ÁRVORE DE NATAL

Relatar o facto faz-me espiar o medo que volte a acontecer e também a culpa por ter deixado que acontecesse.
Hesitei entre relatar ou ocultar. Sendo a segunda vez que acontece, serei porventura rotulada de mãe distraída ou despreocupada. Interiormente, e apesar de já me ter auto-criticado o suficiente, sei que não sou. Sou até mãe-galinha de mais.
Mas a Inês tem aquela dimensão muito própria das emoções. Se estávamos numa ponta do centro comercial junto ao Pai-Natal mas se a árvore de Natal era na outra ponta, porque é que ela não haveria de ir contemplar o brilho das bolas e das estrelas?
Foi. Bastou um segundo de desatenção minha, enquanto tirava a pequenita do carrinho.
Foi, mas não devia ter ido porque me deixou a mim e à Maria em pânico, sem saber para que lado correr, com os piores dos pensamentos a voarem na minha cabeça. Parei, pensei, expliquei a situação a um monitor que estava no atelier infantil e deixei com ele a Maria, não fosse o caso da Inês decidir retomar ao ponto de partida. Peguei no carrinho da Carminho e gritei, sabendo que não valia de nada:
-INÊS!
Uma senhora já velhinha olhou para mim e perguntou:
- Está à procura de uma menina?
- Sim...
- Está lá ao fundo - e apontou para o átrio da árvore de natal
Sem pensar, disse:
- Fique-me aqui com a bebé.
Ainda tive tempo de olhar para a Maria e ver um rosto sem expresaão. Assustado.
Corri o mais que pude. Não mais do que 150 metros. Uma mar de gente à volta de uma Inês em pânico, a chorar convulsivamente. Agradeci ao segurança que lhe pegava na mão e trouxe-a de volta, sem uma palavra. Ela já estava a ter o castigo que merecia. Agardeci também à senhora velhinha e ao monitor, reuni as minha três meninas, dei três passos e sentei-me a respirar.
- Olha Inês, temos que ter uma grande conversa - poderia ter saído da minha boca. Mas saíu da boca da Maria.
- Tu não tornas a fazer isto - continuou. Mas tu não és boa da cabeça?!
Naquele momento, demiti-me do meu papel de mãe e deixei-as tomar consciência dos factos. Passados uns minutos, já no carro, a Inês finalmente falou:
- Eu não sabia de ti, mãe.
Sem querer perpetuar o drama, e de coração apertado disse apenas:
- Mas agora já sabes. E estamos todas aqui.

(Sempre fui sózinha para todo o lado com as minhas três filhas. Não sei se o voltarei a fazer)
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